domingo, junho 24, 2007

O meu avô morreu há dois anos. Nunca fomos muito chegados o que significa que houve um período em que me senti culpado. Por não ter feito parte da vida dele de outra forma.
Era agricultor. Tinha vacas, galinhas, uma horta e eu tenho memórias das vindimas, da poda.
Ele não era exactamente uma pessoa afável e de forma alguma encaixava na imagem do avôzinho simpático.
Houve uma altura em que ele vinha ao Porto com frequência, era eu um adolescente pintado de borbulhas, e ele envergonhava-me a mim e à minha t-shirt dos Sonic Youth em plena rua porque começava a falar com toda a gente... em rimas (como se já não bastasse a acne para afastar miúdas).
Ele era um trovador. Ele conseguia improvisar rimas o dia inteiro se lhe apetecesse. Ele não assentava nada em papel e uma vez perguntei-lhe porque é que ele não escrevia os poemas todos que inventava num dia. "Os poemas são como moscas, se os deixas voar muito começam a chatear" respondeu-me.
Já depois de ter falecido descobri que afinal ele já tinha publicado - encontrei uma espécie de sebenta com vários autores publicada pela Câmara da Póvoa de Lanhoso nos anos 40.
Entretanto também acabou por ficar para mim a pequena colecção de vinis que eu nem imaginava que ele possuía - entre algumas pérolas estavam dois discos de um Django Reinhardt completamente inaudíveis, por isso toca a buscar a internet e eis que:

Django Reinhardt, "Beyond the sea"

foto: ric
quem me dera poder agora passear com o meu avô a disparar poemas pelas ruas

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